sexta-feira, 25 de março de 2016

Alexandr Dugin - A relevância do Marxismo e do Neo-Marxismo para a Teoria do Mundo Multipolar:




Nota introdutória:
O texto que se segue foi extraído do livro Teoria do Mundo Multipolar (2012) de Alexander Dugin, traduzido para o português pelo Instituto de Altos Estudos em Geopolítica & Ciências Auxiliares (IAEG) e adaptado por nós para o idioma brasileiro. Trata-se do fragmento de um capítulo em que Dugin estabelece uma confrontação entre as principais correntes teóricas contemporâneas das Relações Internacionais (realismo, liberalismo, escola inglesa, neo-marxismo, teoria crítica, pós-modernismo, feminismo, normativismo, sociologia histórica e construtivismo) e a sua teoria da multipolaridade. Neste caso, reproduzimos o trecho onde ele aborda a especificidade da teoria marxista ou neo-marxista, tendo como principal referência teórica a obra de Immanuel Wallerstein e sua teoria do Sistema-Mundo.
A apreciação de Dugin sobre a teoria marxista parte de uma compreensão geral do marxismo e da maneira marxista de encarar a realidade: a tese de que a moderna propriedade burguesa configura-se como uma fase generalizada e normativamente universal do desenvolvimento histórico da humanidade, isto é, como uma necessidade histórica, material e espiritualmente antecedente a propriedade socialista, é tida por Dugin como uma ideia central na teorização marxista. 
A respeito disto, poder-se-ia argumentar que a teoria marxista, mesmo que em algum grau, relativizou semelhante tese, reconhecendo que a percurso etapista do processo histórico não constitui uma lei geral do desenvolvimento social, mas apenas uma de suas possibilidades. Ver, por exemplo, o prefácio à edição russa de 1882 do Manifesto Comunista (MARX; ENGLES, 2012), onde Marx comenta a possibilidade do modo de produção campesino-comunal do tipo obchtchina, até então dominante na Rússia, evoluir para uma “forma superior, comunista, de propriedade conjunta da terra” (p. 11) sem necessariamente passar pela fase capitalista: possibilidade esta que pode ser considerada marginal e teoricamente periférica em termos de ortodoxia marxista, haja visto não haver qualquer elaboração concreta, nos termos do materialismo dialético, a respeito do tema. O próprio Lênin, posteriormente, em seu Duas Tácticas da Social-Democracia na Revolução Democrática (LÊNIN, 1905), rechaçou tal possibilidade como uma "elucubração dos populistas e dos anarquistas", asseverando ser impossível para a Rússia "escapar do capitalismo ou saltar por cima dele por qualquer meio que não o da luta de classes no terreno e dentro dos limites desse mesmo capitalismo". 
De todo modo, a crítica de Dugin ao marxismo é simples: a Weltanschauung burguesa moderna não é econômica, histórica, societária ou moralmente superior a outros modos pré-modernos de organização político-social. A premissa de que o ideário burguês é um "avanço" ou um "progresso" em comparação aos modos antigos de produção está no cerne da rejeição e na crítica de Dugin e da Quarta Teoria Política ao marxismo.

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O marxismo e o neo-marxismo nas Relações Internacionais (RI) são extremamente úteis à Teoria do Mundo Multipolar (TMM) como arsenal doutrinário crítico do universalismo da civilização ocidental e da sua pretensão a superioridade moral baseada nos fatores de sua superioridade financeira, material e tecnológica. A civilização ocidental da era moderna optou pela via capitalista e, assim, limitou seus horizontes. Não obstante, a encarnação material do sucesso em um alto nível de desenvolvimento e de eficácia econômica das ações dos mercados e, mais recentemente, na prioridade dada ao desenvolvimento do setor financeiro, podem ser decisivos somente se aceitarmos o padrão capitalista, não só a nível material, mas também no nível dos valores sociais, culturais e espirituais. Foi o que demonstrou perfeitamente Max Weber, que identificou o capitalismo como a expressão da ética protestante, a partir do qual a recompensa do homem no decorrer da vida, por meio do sucesso e da riqueza, é um reflexo direto de sua dignidade moral. A equiparação da riqueza à moral, característica da sociedade ocidental da era moderna, possui raízes religiosas e culturais. O Capital e o capitalismo tornaram-se não só o critério do poder, mas também o critério da verdade.
 O marxismo desafia semelhante abordagem e, embora reconheça a influência do Capital, rejeita sua pretensa superioridade moral. A ética marxista organiza-se de modo oposto: o Bem se encontra na classe trabalhadora (proletariado) que, sob o capitalismo, encontra-se escravizada pela parasítica classe burguesa. No marxismo, rico é sinônimo de Mal. Consequentemente, o desenvolvimento material, e a concentração de Capital em determinado país, não querem dizer nada, podendo demonstrar até mesmo que um tal pais configura-se como uma das sociedades mais injustas, más, devendo, como tais, serem rejeitadas.
 Na análise das RI, tal ética marxista leva à apreciação moral do “abastado Norte” e do sistema capitalista como uma expressão histórica, geográfica e social do mal mundial. O Ocidente não só não se manifesta como um modelo a seguir, nem na Terra Prometida – na qual se encontraria a solução para todos os problemas –, como também se torna a cidadela da exploração, do engano, da falsidade, da violência e da injustiça.
 Sem concordarmos com todas as conclusões dogmáticas desta abordagem a cerca da revolução mundial e do papel messiânico do proletariado, a TMM aceita a abordagem marxista no que diz respeito a sua apreciação da natureza e da origem do Ocidente capitalista, denunciando-o como um modelo de exploração assimétrica que impõe os seus critérios civilizacionais (capitalismo, livre mercado, demanda pelo lucro, materialismo, consumismo, etc.) a todos os povos e sociedades. O capitalismo é o aspecto econômico-material do universalismo e do colonialismo ocidental. Ao aceitarmos a lógica do Capital, mais cedo ou mais tarde seremos obrigados a aceitar e a reconhecer o Ocidente e a sua civilização como guias, pontos de orientação, modelos exemplares e horizontes de desenvolvimento: o que está em completa contradição com a ideia de uma ordem mundial multipolar e da valorização da pluralidade civilizacional. Algumas civilizações podem aceitar a prosperidade material e a forma capitalista de atividade econômica como aceitáveis e desejáveis, mas outras podem ser que não. O capitalismo não é obrigatório e não é também a única forma de organização econômica. Pode ser aceito ou rejeitado. A equiparação do bem-estar material á dignidade moral pode ser justificado por uns e rejeitado por outros. Portanto, para a TMM, o vetor anticapitalista do marxismo, e do neo-marxismo nas RI, bem como a denúncia característica do modelo de desenvolvimento dependente, são componentes que podem bem aplicados. O mesmo vale par a acrítica do “abastado Norte” e ao apelo à oposição ao sistema mundial. Sem esta resistência e oposição será impossível o advento do mundo multipolar. 
A principal diferença entre a TMM e a teoria neo-marxista do sistema mundial (bem como em relação aos projetos de Negri, Hardt e de outros altermundialistas) consiste no fato da TMM não reconhecer, em absoluto, o fatalismo histórico das teorias marxistas, que insistem na premissa do capitalismo como uma fase generalizadamente obrigatória e universal do desenvolvimento histórico, a qual será seguida da fase igualmente fatal e irrevogável da revolução proletária. Para a TMM, o capitalismo é uma forma empiricamente fixa de desenvolvimento da civilização ocidental-européia, enraizada na cultura desta e difundida quase em escala planetária. Mas uma análise profunda do capitalismo nas sociedades não-ocidentais demonstra, com certa consistência, a sua natureza simuladora e superficial, dotada de propriedades semânticas muito distintas e representando sempre algo atípico e diferente da formatação socioeconômica que prevalece no Ocidente moderno. O capitalismo surgiu no Ocidente e pode tanto continuar a evoluir como perecer. Mas a sua expansão para além do mundo ocidental, embora condicionada pela tendência expansionista do Capital, não tem razão de ser nas sociedades não-ocidentais onde ele projeta-se. Cada civilização possui sua própria noção de tempo, história, economia e lógica de desenvolvimento material. O capitalismo invade as civilizações não-ocidentais como perpetuador das práticas coloniais e, como tal, pode e deve ser rejeitado, alvo de resistência, como se se tratasse de uma agressão por parte de uma cultura e de uma civilização alienígena. Assim, a TMM insiste na luta contra o “Norte rico”, que é travada atualmente em todos os pontos do mapa da humanidade e, principalmente, no “Segundo Mundo” (a semi-periferia, nas palavras de I. Wallerstein). O mundo multipolar não deve surgir depois do liberalismo (como acreditam os neo-marxistas), mas ao invés do liberalismo. Assim sendo, a luta contra o liberalismo não deve se dar em nome daquilo que irá substituí-lo depois que este se instalar em escala planetária, mas , de modo a não permitir que ele alguma vez se estabeleça em escala mundial. Para as civilizações não-ocidentais é desnecessário passar pela fase do desenvolvimento capitalista. Tampouco é necessário mobilizar suas populações em prol da revolução proletária. As elites e as massas dos países da “semi-periferia”, a despeito dos neo-marxistas, não estão de todo obrigados a dividirem-se socialmente e a integrarem-se nas duas classes internacionais – a burguesia mundial e o proletariado mundial –, perdendo, assim, todas as suas características civilizacionais. Pelo contrário, as elites e as massas pertencentes a uma mesma civilização devem reconhecer a sua identidade comum, cujo significado deve pesar mais que o da identidade de classe. Se em relação à solidariedade internacional da burguesia e, em menor extensão, do proletariado, os marxistas possuem alguma razão (pois se tratam de Estados capitalistas e burgueses nos quais, de fato, domina a lógica do Capital), no caso das civilizações não-ocidentais as coisas não podem ser colocadas desta forma. O topo e a base no mundo islâmico, por exemplo, estão muito mais cientes da sua cultura islâmica do que seus equivalentes classistas em outras civilizações – em particular no Ocidente. E este sentimento de comunhão, de unidade, não deve ser corroído e nem abalado (seja pelo cosmopolitismo liberal, pelo neo-marxismo ou pelo anarquismo de tipo internacionalista), devendo, ao contrário, ser fortalecido, aprofundado e preservado.
O mundo multipolar, principalmente em seu estágio contra-hegemônico inicial, deve ter como base a solidariedade entre todas as civilizações na sua oposição às práticas colonialistas e globalistas do “Norte rico”. Tal luta deve unir as elites e as massas dentro das suas civilizações, pois o critério das classes (a elite como burguesia e as massas como o proletariado) é uma projeção do padrão ocidental. Nas civilizações não-ocidentais existem, de modo empírico e evidente, estratos sociais mais altos e mais baixos, mas a sua semântica sociológica e cultural difere do modelo redutor no qual o único critério decisivo é o da posse dos meios de produção. A TMM apela à solidariedade das elites e das massas na construção dos pólos do mundo multipolar e na organização dos grandes espaços, de acordo com os caracteres culturais e históricos de cada sociedade.  

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